estou serpenteando, na falta de movimento melhor. onésimo foi uma pessoa escravizada no primeiro século, a quem se deu dignidade porque se converteu à religião que paulo sequestrou. um antigo soldado, matador de gente, como todo soldado que tenha ou não seu exército, ergueu a carne de um homem e a uniu à carne de um deus e, sem mais nem menos, quem era menos se tornou digno de pesar e pena. estou serpenteando porque não sei o que me acontece. filémon, nome de quem se dizia seu dono, se transformou num santo tanto quanto onésimo (libertado) e o soldado. há de se erguer altares para algozes e seus chicoteados. paulo, na sua carta, diz que onésimo lhe era caro pois se tornara útil — assim como deve ter sido a filémon. um artífice do bem comum. a conversão empresta à pele o valor de dinheiro: deus toca o coração dos homens e de repente são feitos de ouro. antes, o que eram? é assim a economia da desavença, a apropriação do corpo enquanto ferramenta útil para a dominação de uma crença. filémon e onésimo estão unidos para sempre numa carta e na história. ainda me pergunto se, junto aos grilhões, onésimo não desejasse que também tivessem tirado dele a memória.