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abdução

ela era o tipo de criança que acreditava em discos voadores e cresceu para se tornar o tipo de adulto que acredita em amores correspondidos. ela não parou para fazer as contas de que as plantações supostamente destruídas pelos extraterrestres tinham mais salvação que nossos relacionamentos. ela tinha fé demais. ela tinha um certo maravilhamento pelas coisas da vida e as possibilidades e incertezas do futuro que eu, olha… eu, particularmente, nunca tive.

ontem, ela foi abduzida por uma astronave. uma bola gigante de metal com luzes verdes piscando, uma astronave de verdade. eu sei, não faz sentido. sim, eu sei mesmo. estou sentando aqui na sacada de casa fumando um cigarro, olhando para o céu à procura da nave e não a vejo, mas ela a viu e foi abduzida. a vida às vezes é uma combinação de plot de filme ruim do corujão com sequestros intergaláticos e aparentemente está tudo bem, porque me lembro que ela estava bem feliz ao ser abduzida, como quem confirma uma velha suspeita, uma suspeita mais antiga que a própria memória, e fica feliz por ter estado certo o tempo todo, por não ter perdido a esperança.

temos dois filhos e esses filhos crescerão sem mãe, mas acho que isso não é um problema. é a regra inversa… só preciso aprender como lidar com a situação, enquanto tento não ficar obcecado com os novos círculos que aparecem nas plantações das cidades vizinhas dia sim, dia não. estão cada vez maiores, mais ameaçadores, imprimindo figuras geométricas gradativamente mais complexas sobre o milho e a cana de açúcar. mas nenhum sinal dela. dez novas abduções, ouvi dizer, mas nenhum sinal dela.

faz dez anos que a aeronave chegou aqui e hoje descobri que ela tinha vindo por mim e não por ela, mas eu não estava em casa na hora, então levaram quem pensaram ser eu. não os culpo, também me confundi por muito tempo.

se eu tivesse chegado um minuto antes, não teria visto apenas o olhar dela de quem sabia ter estado certa a vida inteira, teria visto também a bola metálica por dentro e flutuado para outras estrelas, sem ter ideia do que encontraria lá. mas, pelo menos, esse sentimento eu ainda tenho e não faço ideia do que encontrarei aqui. descobri tudo isso porque a nave voltou hoje para devolvê-la. aparentemente, a viagem até o planeta deles dura cinco anos e quando chegaram lá e descobriram que ela não era eu, tiveram que voltar. vai e volta, como um relógio. é a regra.

ela não se lembra mais do meu nome. ela não se lembra de um dia termos tido filhos. nossos filhos também não se lembram dela. eu me questiono quanto tempo é necessário pra gente mudar tanto e quanto espaço há distanciando quem éramos de quem acabamos sendo, do que a vida nos fez, do que a gente fez de nós. a nave me deu cinco dias com ela antes de me levar e hoje finalmente estou partindo rumo ao meu destino, deixando os desconhecidos para trás, abandonando as memórias que perdemos.

o caso dos estranhos sinais nas plantações continua inexplicado: se são outras naves, se são outros humanos, se são recados deixados por povos antigos que vêm de baixo e não de cima, do centro da terra, nos sinalizando alguma coisa… quem sabe?

enquanto a bola de metal atravessa a estratosfera, eu subitamente acordo. é março de 1998 e estou atrasado para a escola. minha cabeça dói e uma chuva fina cai lá fora, lavando a poeira do outono. uma noite mais, fui abduzido pelos meus sonhos.

próximos 2020 estou te escrevendo esta carta porque o futuro reserva para as cartas que você tanto amava o pior dos destinos, a desimportância, mas o peso do babilônia eu costumava chamar essa cidade de Babilônia: um produto da soberba, muito maior do que deveria ser, dolorosamente concreta, feita de pontes que
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