blog • eduardo furbino |||

estou te escrevendo esta carta porque o futuro reserva para as cartas que você tanto amava o pior dos destinos, a desimportância, mas o peso do menosprezo não deve ser aplicado às palavras que a gente tem a dizer um pro outro.

estou te escrevendo esta carta porque pensar que o erro foi meu me arrepia a espinha e me faz questionar o que foi que vivi durante todo aquele tempo. quantos dias passei distante? quantas noites fingi cansaço? se soubesse responder, responderia, mas, como muitas outras coisas, isso eu também não sei.

estou te escrevendo esta carta porque estamos quase em 2020, o ano em que três anos atrás você foi morto, o ano em que faço trinta. nem mesmo eu aguento mais ouvir falar de mim, não aguento mais ver as sombras da sua sombra ganharem força sob a luz da sala de estar. não sei como me virar e o ar nos meus pulmões sai frio pelas narinas, um contrassenso fisiológico que não consigo explicar.

estou te escrevendo esta carta na esperança de que os mortos aprendam a ler, então te conto aqui o que a saudade fez de mim e o que nunca te disse tão abertamente assim:

os dias sem você são imensos, pai, e nessa imensidão que só não é maior do que era o seu abraço eu me perco. a única forma de me encontrar é voltando ao começo, percorrendo o limiar da sua ausência como o menino que corre pela beira da calçada antes da hora do jantar. no crepúsculo do dia, me apago feito o sol e observo a extensão do meu desprezo, os dias todos que passamos longe pela minha falta de apego, a sua voz a me chamar à distância enquanto eu evitava conversas e respostas, perguntas e conselhos.

meu maior medo sempre foi não caber apenas em mim e precisar dos outros pra me fazer inteiro, mas hoje sei que sou apenas uma parte sua que deixou seu corpo e vaga, sem rumo, por tudo o que é mundo e tudo o que é vida e tudo o que é história. sou a memória de metade do seu rosto, o brilho de um dos seus olhos, um resquício da melhor parte do seu sorriso. cópia parcial e imperfeita dos seus trejeitos.

estou te escrevendo esta carta porque queria finalmente te dizer que em mim, de completo, só existe o orgulho, que me reflete feito espelho, herdado do sangue do seu sangue e dos ossos dos seus ossos e da carne da sua própria carne. o orgulho de ser um pedaço seu.

próximos vista desimpedida ainda vou te ver de novo. assim como quem não quer nada, vou cruzar com você na rua e me dar conta de que ainda quero tudo. vou passar horas embaixo abdução ela era o tipo de criança que acreditava em discos voadores e cresceu para se tornar o tipo de adulto que acredita em amores correspondidos. ela não
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